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Minha não era alegre, mas cantava, às vezes, sem nenhuma pretensa alegria. Ainda pequeno, bem pequeno tive contato com a Jovem Guarda, sem ao menos, desconfiar que aquelas músicas que ela cantarolava, enquanto varria a casa, ou estendia a roupa no varal pertencia ao movimento, ou o que significavam.
Uma das primeiras músicas que aprendi a controlar, ouvindo as cantorias de minha mãe, foi o Bom Rapaz, do Wanderley Cardoso, e embora minha mãe dissesse sempre o nome do cantor, só vim saber dele muito tempo depois.
Mas nunca esqueci dos versos: “Parece que eu sabia/ que hoje era o dia/ de tudo terminar/ eu logo notei/ quando telefonei/ pelo jeito de falar..”
Não havia rádio ou aparelho de som em nossa casa, na verdade não havia quase nada, e minha mãe reproduzia os versos que sabia de cor. Me parece que ao introduzir a música viva apenas na sua memória em nosso quotidiano tão roto, ela infundia em mim o gosto por aquelas melodias, que só muito depois eu aprendi serem bregas.
Nunca esqueci, no entanto, dos cantos da minha mãe, que embora não fosse feliz, cantava de um jeito que me fazia lembrar de sonhos que nem eu mesmo sabia que era possível tê-los.
Como essa, muitas outras cantigas dos cantores que a seu tempo chegaram até ela, faziam parte de nossos dias. Com um tempo tivemos a radiola de meu pai, e nela ouvimos os disco que pareiam fazer o gosto dele e dela, entre os quais tantos artistas que se perderam no caminho da memória.
Esses dias perdemos Gal Costa, ontem Erasmo, que na minhas lembranças mais pueris ecoava cantando “mulher, mulher…”
Hoje eu me lembrei de ficar triste por essas perdas que partem levando um pouco do que era nossa. Tanta gente se perdendo no passo sôfrego dos ponteiros, que tenho medo de quem poderá ser amanhã, mas na certeza de que, infelizmente, há de ser alguém.
Com Gal, com Erasmo, com tantos outros que a morte nos tomou, sinto que morremos um pouco também.
Que o legado desses que se foram permaneça aceso, alimentado a saudade do tempo que foi e não será mais.

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