Textos

Maria Macaiba

Fim de sexta-feira, eu voltando às pressas da escola, onde havia ido cumprir um compromisso, reunião de pais, naquele dia tinha ainda uma série de compromisso, reunião no outro trabalho, papéis pra assinar, uma Web conferência e aula de espanhol.
Tentei entrar pela rua da Solonia Simao, mas estava uma verdadeira confusão em razão do fechamento das ruas para as festividades do dia do município. Não houve saída, segui direito pela Rua Judith Esmeraldo e subi pelo Beco da Zenaide, virei a direita porque minha intenção era entrar na Joaquim Avelino e descer na Ernesto Vieira, ainda que com sacrifício, achar um lugar pra parar e ir até a farmácia.
Contrariado, me dei conta que a entrada da Joaquim Avelino também estava fechada e então desci pela rua da Solonia, ainda contrariado pela tentativa frustada de chegar mais rápido à farmácia, que era meu destino e cujo acesso só poderia ser feito pela Avenida Doca Belo, subindo novamente pela Joaquim Avelino.
Contrariado, mudei as rotas e os planos e ainda subi novamente pelo Beco da Zenaide, que vai da Praça Leonardo Mora até desembocar na Coronel Brasil. É um beco estreito, esguio, mal cabe um carro, se dois entrarem no mesmo tempo, terá um deles que ceder e voltar de ré.
O Beco recebe o nome da digníssima vizinha, Zenaide Teófilo, filha é herdeira comercial do pai, Sr. João Teófilo. E o bendito Beco é formado pelo corredor da casa de morada de Zenaide e pelas paredes de sua loja, uma das mais célebres da cidade. De tecido bom a artigos para casa, mesa e banho, você encontra na distinta loja.
Eis que subi Beco acima e, de longe, já avisto a figura pequenina, cabelos cortados à escovinha, calças, sempre formal. E, de súbito, não sei se a figura que avistei ou o lugar, quem sabe os dois, me arrastaram para um passado distante, mas ainda tão vivo na memória.
Era Maria Macaiba, sim, ela mesma. Incrível que mesmo há tanto tempo sem vé-la ela não tenha envelhecido nada, a pele, os olhos, os cabelos negros. Era ela, minha vizinha de uma infância inteira, foi ela que me ensinou mal e mal a datilografar em sua velha Olivetti.
Depois, ainda mais tarde, era ela que nos fins de tarde me pegava pela mão e me levava a rezar o terço na capelinha da gruta.
Com tia Maria, aprendi os mistérios da fé, desfiando no terço os pai nossos e ave Marias, empolgado quando a via, ao fim de cada mistério, dizer
“Glória ao Pai e ao Filho e ao Espírito Santo, assim como era no princípio, agora e sempre. Amém.
Ó meu Jesus, perdoai-nos, livrai-nos do fogo do inferno, levai as almas todas para o céu e socorrei principalmente as que mais precisarem.
Mãe de Deus, derramai sobre a humanidade inteira as graças eficazes da Vossa Chama de Amor, agora e na hora da nossa morte. Amém.”
Nunca aprendi está parte da oração e acredito que nem saiba mais outras parte… mas nunca vou me esquecer da fugira pequenina dela me ensinado a rezar.
Tia Maria não foi meu primeiros contato com a fé, mas foi ela que ensinou que é possível viver uma vida inteira por causa dela.
Ex professora, morando sozinha, quantas tardes passei na casa dela, arriscando uma letra ou outra na sua valiosíssima máquina de escrever. Foi ali que nasceu em mim a vontade de dizer ao mundo o que eu sentia, mas o que os outros também sentiam. Tia Maria tentou plantar em mim a semente da fé, mas, num descuido, semeou a curiosidade.
Parei o carro e era ela mesma, trocamos um abraço, algumas palavras, enquanto o motorista de trás, insistente, buzinava sem parar.
Ela se foi com a promessa de um reencontro breve, eu fiquei com uma saudade imensa do tempo que não volta e cheio de orgulho, porque foi no Beco do açude, pelas experiências de tantas histórias e pelas mãos de mulheres como Maria Macaiba, que eu me fiz o quase nada que sou.

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