Textos

Hoje eu vi a desesperança

Hoje eu conheci a desesperança e ela tinha nome. A gente está acostumada a dar um jeitinho em tudo, a ver uma luz no fim do túnel, uma esperança escondida num canto da alma, mas a verdade é que nos recusamos a ver as pequenas desesperanças diárias. Os pequenos atos de desistências, de descrença, de resignação.
Nada nela denunciava medo, incerteza ou insegurança, chegou certa do que veio e veio decidida: o tempo, as injustiças e as pequenas desilusões, fizeram-na descrer de que era possível mudar e não adiantava dizer que podia ser diferente.
As rugas precoces, os olhos verdes que um dia foram bonitos, ou não, vai saber ? O tempo esconde tanta coisa da gente, debaixo das suas marcas indeléveis.
– Professor, eu vim dizer que a minha menina, num vem mais não!
Os quatro professores, tão conhecedores das regras, das leis, tão certos das metas a serem atingidas, se entreolharam, um depositou a xícara sobre o mármore branco do balcão, o outro suspendeu o cigarro um minuto, houve quem pigarreasse criando coragem ou buscando um argumento.
– Olá, bom dia! A senhora é a mãe de quem ?
– Ele aí sabe que é a minha menina, ele foi lá em casa atrás dela, no sítio, mas ela não vem mais não. Ela vai casar.

– Ela vai casar, tem que cuidar do marido, a sogra é doente, ela tem que cuidar dele fazer a comida, e ela não quer mais vim não.
– Mas … Qual seu nome ?
Ela disse!
– Ela tem dezesseis anos, é menor, não pode deixar a escola.
– Minha filha, Ela nao quer mais vir. E eu não vou obrigar.
– Mas a senhora sabe que ela vai deixar de aprender, de ter um futuro melhor …
– Lá pra nos tem isso não. Que nem ela tem um monte, que terminaram os estudos e estão lá, sem ter nada. Num adianta de nada. Professor, eu não estudei, e to aqui, me casei, aprendi a respeitar meu marido, a dizer sim quando ele queria e me calar quando ele mandava, ensinei minhas fia a respeitar o marido e agora ela arrumou com quem casar e ele num quer que ela venha mais, ela não quer vir.
E vieram os discursos, as falas, as explicações, as Alegações, o diretor de turma, o conselho tutelar. Nada surtiu efeito. A menina chorava.
– E aí mãe ? Eu venho?
-Num adianta, ela diz que vem, mas quando chega em casa num quer vir, ele num deixa. Eu assino onde for. Cadê?
Assinou e foi embora. Certa, sem esperança, nas suas certezas tudo era certo demais, tudo era desesperançoso demais, até mesmo a possibilidade de um quem sabe ? Não se permitia sonhar. Quem a vida forjou no fogo, não se permite o aconchego da ilusão.
Hoje eu vi a desesperança, ela entrou e saiu. Ereta, dura, seca e quem sabe um tanto amarga, mas nunca sonhadora, porque dói menos enfrentar a certeza do jamais, que se deparar com uma decepção.

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