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Ele não vai não

O dia pedia pressa. Após dá algumas instruções, responder alguns e-mails e mensagens ao telefone, não tendo outro jeito, deixei um dos trabalhos e me dirigi ao outro onde um sem fim de problemas me esperavam.
Mal começara o dia e a cabeça já me anunciava uma breve dorzinha. Enquanto, dirigia, assumo, desleixadamente, prestando mais atenção à voz que saia do som do carro, conectado ao meu telefone, pensava em coisas que tinha pra fazer no decorrer do dia que, via de regra, teria menos horas do que eu julgava precisar.
No caminho da escola, tive que passar no Setor de Pessoal da Prefeitura. Eu estava na Joaquim Avelino, subí pela Augusto Vieira, rodeando a Matriz, em busca de um lugar que me permitisse estacionar. Tive que subir toda a Augusto Vieira, passar pela Joaquim José de Souza em frente à Prefeitura, cada vez mais frustrado com a dificuldade de estacionar. Já virando na Ernesto Vieira, percebo um mínimo espaço vago em frente ao antigo prédio do Banco do Brasil. Respiro aliviado. Teria que andar um pouco até a prefeitura, mas pior seria não achar vaga.
Desço do carro de cenho franzido, era por volta de nove horas da manhã e o sol que já ia alto, estava claro, forte, a luminosidade incomodava, tanto quanto o calor. De olho fixo na tela do celular, caminho pela rua ignorando os transeuntes. Era importante responder às mensagens que chegavam pelo WhatsApp. Já estava subindo a passarela que liga a Praça da Matriz ao Centro Administrativo quando ouço aquela voz familiar:
-Ele não vai não…!
Era Leondina. Não precisei olhar pra ver que era ela, mas olhei. Olhei e parei. Primeiro porque naquele instante me veio a urgente necessidade de vê-la e fotógrafa-lá, grava-la, até, dizendo o seu bordão, bordão que lhe fez famosa. Não aqui. Por essas bandas da Serra de Santa Rita há quem não conheça Leondina ? Mas sua negativa e simplória frase ganhou o Brasil em forma de Meme.
Outro dia, mandei o vídeo dela em um grupo de amigos que são, todos de outros estados e cidades e eles se recusaram a crer que ela fosse, de fato, minha conterrânea, como se primeiro, eu fosse pessoa de mentir, e depois Pedra Branca não fosse terra capaz de gerar prodigiosos filhos, a exemplo de Leondina.
Indignado pela desconfiança de meus amigos, que exigiam uma prova que Leondina fosse mesmo uma legítima pedrabranquense, aligerei-me em tirar dela uma foto, e gravar um pequeno vídeo pra enviar a Gorete, Jaerly, Caio e aos demais desconfiados amigos.
Virei-me rapidamente e de telefone em punho pus me a fotógrafa-la. Ela, habituada que esta a estas situações, sorriu, seu riso desdentado e repetiu como quem faz ja por costume o seu bordão:
-Ele não vai não!
O sol quente, as pessoas indo e vindo, os carros e motos passando e aquela mulher de lenço na cabeça, vestido sujo, amarrotado e um sorriso sem dentes me dizendo uma frase mecânica, de repente me fez lembrar de algo.
Foi um relâmpago, um momento e não precisou mais que isso, porque no instante seguinte, o sorriso de Leondina se fechou, ela me olhou e me disse, com sua cara sofrida:
-Mataram meu menino!
Era o que eu havia acabado de lembrar, e que Leondina verbalizava. Na minha sanha de provar sua existência, me esqueci da sua dor. Faz uma semana ou pouco menos, encontraram seu neto, Gabriel, que quando muito tinha quinze anos morto, assassinado a tiros no mato.
Leondina na sua meia loucura, também sentia a morte do neto, também sentia a dor de perder os seus, e também encontrou uma forma de denunciar sua dor. Me cobri de vergonha, havia sido insensível. Lhe Disse :
-Eu sei, eu sinto muito!
Ela olhou com cara de choro, e ao contrário do que sempre faz não me pediu uma moeda, foi embora dizendo:
-Ele não vai não!
Eu fiquei um pouco mais, pesei envergonhado o peso daquele momento, senti a dor da Leondina, senti por um momento a partida do Gabriel que eu vi criança ingênua, e pensei : ele foi sim.
Fui embora, o dia pedia urgência, Leondina seguiu carregando seu fardo, sua dor, seu meio sorriso e pra sempre o vazio de um amor a menos.

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