Textos

Primeiro Dia de Aula

Primeiro dia de aula. O medo tomava conta de mim. Como não?  Era um abismo. Uma nova escola, um novo desafio. Tudo novo, inclusive eu que era novo demais para tudo. Cheguei na escola. Entrei pé ante pé. Todos os olhos pareciam me olhar e eu só queria me esconder de tantos olhos famintos que pareciam querer me engolir. Vi meninos correndo, uns esbarravam em mim, outros riam, eu tinha certeza que era de mim. Eu só queria um lugar seguro longe de tantos olhos.

Sentei-me em um dos bancos e esperei. O Sinal tocou. Vi todos entrarem e relutei em ir também, sabia exatamente onde tinha que ir. Sala 04, 6º ano. Mas era justamente aquele o único lugar no mundo em que eu não gostaria de ir. Não tendo opção fui. Entrei. Bolinhas de papel voavam, cadeiras estavam espalhadas pela sala de forma desalinhada, havia muitas vozes falando ao mesmo tempo, meninos empurravam outros meninos. Uma bolinha passou rente a minha cabeça, desviei. Eu só queria que chegasse logo alguém que cessasse aquele barulho todo. Tudo que eu mais queria era ver entrando Dona Fransquinha Bezerra, com sua pasta na mão e seu rosto bonito e quase severo, com passos longos e apressados, o cabelo ainda molhado do banho, antes do almoço. Como eu desejei ver seu jeito agitado batendo palmas e fazendo todos sentarem em seus lugares e posteriormente apanharem as bolas de papel espalhadas pela sala, organizarem seus cadernos e livros e parecerem meninos  comportados, não aqueles pequenos monstros que insultavam e batiam uns nos outros.

Ai que saudade que me deu daquele tempo em que ficávamos no portão, esperando que Pimar, ao som do sino da escola, abrisse os portões e deixasse que nós entrássemos. Por um minuto esperei ver a figura da Nazaré Germano aguando as plantas do Jardim e a figura agitada da Marlene, limpando livros na biblioteca. Como eu queria  que Maria Lins, aparecesse com sua cara de zangada, colocando todos nós para dentro da sala, pra esperar o professor. Ainda olhei de relance tentando reconhecer D. Irismar ou a Preta na secretaria. Mas elas não estavam lá. Ninguém mais estava. Pimar não era o porteiro, Nazaré não aguava plantas, Nem Maria Lins, nem Marlene, não havia mais ninguém, nem a escola era a mesma. O mundo era outro. Dona Fransquinha não entraria pela porta e aquele barulho todo não cessaria ao som de sua voz enérgica. Ai que saudade que me deu, de quando meu único medo eram os carões da minha professora, ou os sermões por não ter prestado atenção no evangelho da missa da primeira sexta feira do mês, que ela impreterivelmente cobrava, na aula seguinte. Que saudades dos corredores da escola, do lanche entregue na fila da merenda pela Solônia. E do pastel com taki vendido pela Joanita na Cantina da Escola, sempre atendendo cada um com a voz potente que dizia: – Diga meu filho!

Tudo que eu queria era me reconhecer naquele espaço, reconhecer minhas personagens queridas, mas o tempo era outro, o espaço era outro e eu também era outro. Precisava apenas guardar as lembranças daquele tempo bom. Afinal, nem de longe eu era mais o menino que se esgueirava pela sala dos professores, ou que fazia questão de organizar festas de São João na escola, era preciso saber quem eu era, embora que eu tenha me tornado fosse parte daquele universo todo que eu esperava reconhecer e que fazia tempo havia ficado pra trás.

Em que esquina ficou todo mundo. Onde se perderam tantas figuras? Hilda, a delegada, era assim que chamávamos, aquela mulher de voz grossa e cara fechada, que impunha respeito até nos alunos da noite, o maiores e mais ousados. Era uma espécie de inspetora, circulava pelos corredores, exigia retidão moral, se fosse em tempo ainda mais antigos, Hilda seria um bedel. E Lucineide, nessa nova escola não via ninguém que se assemelhasse a velha e querida Lucineide. Só de lembrar dela podia sentir o cheiro de sua comida gostosa sendo preparada na cozinha da escola.

Era tudo novo demais pra mim, exceto as lembranças. Não era a minha FVC, a minha escola, onde cresci, me esgueirando por trás do porão, correndo pelas escadas, me escondendo dos meninos brigões atrás das arquibancadas da quadra. Quantas vezes fugindo da fúria da Ednarda, a valentona, me escondi debaixo das saias da Marlene ou da Maria Lins? Não via ninguém assim nesta nova escola. Será que havia alguém que eu pudesse ficar horas a fio depois da aula conversando no jardim da escola, como fazia com a Nazaré? Não, não havia definitivamente. Os tempos eram outros, a escola era outra e sobretudo, eu era outro.

O barulho na sala continuava, as bolinhas, o alarido de meninos gritando e correndo, Me convenci que D. Franquinha  não viria, o sinal já soara fazia  algum tempo, me adonei de mim, enchi o peito, olhei a bagunça ao meu redor. Respirei fundo, bati palmas forte com as mãos e disse:

– Bom dia, meninos! Eu sou o professor!

One thought on “Primeiro Dia de Aula

  1. Parabéns pelo texto muito bem escrito, o que já lhe é peculiar e rotineiro.
    De uma certa maneira, você também me proporcionou uma viagem no tempo pela nossa querida escola, muito embora os meus personagens sejam outros, sem no entanto terem sido menos marcantes.
    O porteiro era o Toinho, a cantina de dona Angelita, a professora Adalgisa Pinto no controle das filas e corredores, além de inúmeras que passaram nas salas de aula, que prefiro não citar, para não incorrer no erro ou de me falhar a memória, deixando de nominar alguma.
    Saudoso que fiquei, ‘por culpa do seu texto excepcional’, percebi como o tempo passa rápido em nossas vidas e que não nos damos conta muitas vezes, que foram momentos simplórios como esses, que nos sustentaram, nos ergueram e nos fizeram fortes, quando os portões do mundo para nós se abriram, como um convite a serem explorados nessa longa escadaria chamada vida. Abraço, amigo!

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