Textos

Meu novo amigo.

Não sei ao certo, mas acho que foi o Vinicius de Morais que disse que a gente não faz amigos, os reconhece. Fiz um novo amigo nas férias. Digo que fiz porque não o conheci de agora. Há tempos o via, até o cumprimentava. Ouvi muitas histórias sobre ele, mas não posso dizer que tínhamos alguma ligação além do trivial “olá, tudo bem?”
Interessante que convivemos com uma pessoa a vida inteira, algumas as vemos diariamente e nunca chegamos a conhecê-la de fato. Falo no geral, há pessoas com quem dividimos nossos dias, sobre quem mal sabemos, no entanto dia após dia, elas estão lá, dividindo o mesmo ônibus, a fila do banco, o banco da praça, respirando o mesmo ar que a gente, sem que nós cheguemos a perceber nada além do que elas deixam transparecer.
Pois bem, como eu dizia, fiz um amigo novo esses dias. Ele é exatamente uma dessas pessoas com quem eventualmente eu cruzava na rua, encontrava em algumas ocasiões, ouvia falar sobre, mas nunca cheguei a trocar mais que meia dúzia de palavras, geralmente um diálogo repetitivo e educado que se restringia ao “olá- tudo bem”, tão costumeiro.
O mais engraçado de tudo é que eu nem lhe supunha tão parecido com quem é, confesso não nutria muito interesse por ele. Mas diz aí que no último dia do ano, atendendo à sanha incontida de Helena, acabei concordando em ir até Milhã, fazer nem sei bem o que, mas não lembro se já contei, minha irmã simplesmente não pode ver um carro parado, dar não sei o que lá nela, que só sossega quando pega a estrada. Coitada, é viciada em viajar. O fato é que fomos à Milhã, e convidamos Aurilene, uma amiga em comum pra ir conosco. Essa também é outra que caso pudesse não perderia uma viagem. Acredito que Helena e Ela viajariam o mundo se lhes fosse facultada essa possibilidade.
Fomos buscar Aurilene em casa, ele estava com ela . Nem estranhei, mas de repente fiquei sabendo que ele nos acompanharia na viagem, tudo bem também, seria bom mais uma companhia, afinal qualquer coisa pra minorar a chatice daquela viagem.
Foi no caminho que ele se revelou, começou a falar e falava sem parar. Falava sobre tudo e sobre todos. Nada lhe escapava. Me chamou atenção a inteligência dele. Depois observei a maneira como ficava atento ao que dizíamos e sobre o que falávamos, coisas que na maioria das vezes não deveriam lhe interessar, mas ele estava lá ouvindo e pior, opinando sobre.
Ele me ganhou de vez com sua perspicácia, a capacidade de pegar as coisas no ar, de sacar as jogadas, e de dizer o que pensa sem o menor pudor. Confesso, esperei tudo menos que ele fosse aquela pessoa espirituosa. Durante toda a viagem a conversa se centrou nele e ele conduziu tudo com maestria. Reivindicou direitos: queria conhecer Milhã, ora! Como assim o chamamos pra ir junto e apenas nós poderíamos aproveitar a viagem a contento. Ele também queria matar sua curiosidade que, diga se de passagem, é insaciável .
Comemos o que ele achou mais apetitoso, bebemos a bebida que ele gosta e tudo isso sem perceber. Meu novo amigo tem esse poder de convencer as pessoas a fazerem exatamente o que ele quer. Quando não as convence pela inteligência, que diga se de passagem não é pouca, o faz pelo cansaço. Nisso ele é mestre.
Depois deste dia, já o encontrei outras vezes mais, só que agora é diferente quando eu o vejo. Não é mais apenas uma pessoa a quem dirijo a palavra por Educação, mas com quero conversar, ouvir as histórias, que não são poucas, rir de seu jeito descontraído. Isso é que faz um amigo: encanta o outro.
Meu novo amigo tem 10 anos, cursa o quarto ano e se chama Gabriel. E embora eu o conheça há anos, como na frase do Vinicius, eu só agora o reconheci, muitas coisas me fizeram nutrir amizade por ele, desde a sua privilegiada inteligência, seu jeito extrovertido e conquistador, até suas piadas nem tão boas assim. Mas sobretudo gosto de sua amizade porque com ele, eu sinto uma saudade imensa da criança que eu não pude ser. É! A gente também sente saudade do que não foi mas poderia ter sido. Se eu pudesse ser menino de novo, era exatamente daquele jeito do meu novo amigo que eu gostaria de ser. Obrigado Gabriel, sua companhia me dá muita alegria, e me faz sentir uma saudade imensa da vida inteira, que como disse outro poeta, poderia ter sido e não foi.

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