Textos

Açude do povo

“Do açude do povo quem bebeu a água, se esquece mais não” dizem os versos do Poeta Chico Barreto, e basta lembrar do velho açude que de imediato me vem à cabeça o som grave da voz de Dr Chico, entoando no rádio sua célebre canção, uma ode à Pedra Branca. E que outra referência seria mais representativa deste lugar que o velho e bom açude? Eu, Dr. Que não conheci seus áureos tempos, de cheias imensas, com vasta sangria e opulência de água, é como se houvesse conhecido. Bebi, certamente, de sua água, que a julgar pelos seus versos e pelo dito popular tem efeitos maravilhosos, prova maior disso é nunca ter esquecido este torrão, e mesmo tendo andado por outros muitos lugares, sempre volto, e cada vez que chego, sinto o conforto na alma de quem chega em casa.
Hoje está frio, a noite escura e saindo do trabalho, desci por acaso pela Rua da Gruta. A padaria, de cujas chaminés, não tarda sair a fumaça perfumada do cheiro atrativo do pão de João Pedro, a imponente gruta, de que tanto me orgulhava de ser vizinho e mais abaixo as águas escuras e hoje poluídas do velho açude. Perdido no escuro.
Foi automático, foi enveredar pela José da Silva e me vieram à mente os versos sobre a água milagrosa deste açude querido, que leva o nome do povo, porque foi feito por ele e para ele, quando nem se concebia a ideia de máquinas para escavar açudes e barragens.
Lembro de ouvir dizer, nas histórias de Donana Brasil e de tantos outros, que mesmo sendo velhos, ouviram de outros mais velhos ainda, como foi feito o açude, o povo escavando com as mãos, com rudimentares ferramentas, carregando nas camisas a terra excedente. Quantas história tem este açude, de cuja água quem bebe não se esquece? Quantas cheias, quantos banhos tomando no sangradouro? Quantos afogados, esquecidos pelo tempo? Quantas almas anônimas, rondam as turvas águas deste açude, eternizado em versos, por quem dele provou a agua e amou esta terra na qual foi escavado o velho e imponente açude.
Tens razão poeta, como esquecer, a agua, os gostos, os cheiros desta terra? Quem bebeu a agua, vai embora, percorre léguas, conhece e desbrava outros mundos, sente outros gostos, outros cheiros, outros amores, descortina, constrói, mas não esquece, eu não me esqueci e volto sempre, espiando as pedras do calçamento, que parecem ser as mesmas que me viram menino, correndo por entre as ruas, comendo castanhola, fugindo da escola, descobrindo a vida e o amor, enquanto a vida se fazia por só e eu ingênuo não acreditava, que um dia, a vida se imporia além da parede do açude e da rua da Gruta.
Do açude do povo, quem bebeu a água se esquece mais não, eu não me esqueci.

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