Velhas tardes de Domingo
Há uma velha canção, acho que do Roberto, não sei ao certo, que fala de jovens tarde de domingo. É uma música triste, como tristes são todas as musica que falam de saudades e como triste é tudo que trate de tardes de domingo.
Domingo por si é um dia triste e lacônico, mas nada supera em tristeza uma tarde de domingo, é como se todas as saudades escondidas, pusessem suas roupas de passeio e fossem à baila, viessem à tona.
Houve um tempo em que eu gostava de passear nesses fins de tarde, olhar a cidade vazia do seus costumeiros transeuntes, dos seus habituais barulhos, as ruas despidas, quase nuas. As castanholeiras da Praça da Matriz ficam mais majestosas em tardes assim, quando já é quase noite e as pessoas já se arriscam a sair de casa, sem serem oprimidas pelo sol escaldante que geralmente assola os domingos, e as andorinhas começam a retornar às grandes e velhas árvores da praça ou a torre da igreja para se alojarem e o sol vai alaranjando o céu enquanto morre lentamente no poente, a tarde nesse momento é quase uma poesia.
Domingo nunca foi meu dia predileto, porque ele prenuncia o que ainda não chegou, a semana que vai começar mas que ainda está por vir, sempre preferi as terças-feiras, que não possuem o peso angustiante das segundas, já é de fato a semana em si, já estamos nos acostumando ao ritmo daquela semana que nunca é igual a outra.
Embora não goste tanto dos domingos, não posso negar a beleza lúgubre de suas tardes .
Imagino as tardes de domingo como a velhice de uma vida bem vivida, um crepúsculo calmo e consciente de seu dever cumprido, nas tardes de domingo o dia morre melancólico, como se não quisesse partir, não quisesse dar lugar ao outro dia mais novo e desconhecido. Inútil! Pouco importa que o domingo se agarre às paredes das rua, às pedras do calçamento, às raízes das árvores , como já cantou o poeta, o novo sempre vem e vem com força. Tardes de domingo representam as partidas forçadas de quem vai a contragosto.
Pouco importa que o grupo de menino sentados na praça com violão esteja alegre e cante uma canção animada, pouco importa que as velhas senhoras, de cadeiras na calçada estejam agradecidas pela certeza de mais um dia, ou menos um dia, pouco importa que o bêbado cambaleei e tropece arrancando risos, que o padre pregue palavras de esperanças na missa das sete, que o Aracati sopre ameno, aliviando o calor de um dia quente e abafado, os domingos sempre morrerão silenciosos, agoniados e tristes, como tristes serão todas as tardes de domingos, todas as despedidas e toda a vida desperdiçada.
De longe eu vejo o velho solitário e decadente que já não é mais quem foi um dia atravessar a rua e olhar com desprezo o mundo que não é mais o seu, deslocado, perdido, ele também foi arrancado à força como são levadas todas as tardes de domingo. Vejo as velhas senhoras passarem pra missa, limpas, banhadas com suas roupas boas, roupas de domingo, e o cenário fica ainda mais triste e insólito, são reses que caminham a ermo em busca de alguma salvação. Vejo os primeiros casais que se arriscam a sair e experimentar o banco ainda quente da praça, os amigos que se reúnem em torno de uma cerveja ou de uma batata frita, os risos eufóricos da juventude, constrastando com a lúgubre tarde.
As tardes de domingo são dias pra revisitar a alma, organizar aquela gaveta há tempos esquecida, tirar o pó do armário, mas com cuidado, nas tardes de domingo é maior a probabilidade de se esbarrar em uma saudade inevitável.