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Cozinha, Café, afeto e cheiro-verde

Cozinha, café, afeto e cheiro-verde.

No meio do dia agitado, corre pra cá, resolve daqui, atende de lá, me permiti uma rápida ida à cozinha. Tem horas que a vida pede paz e paciência, e não conheço lugar mais propicio para isso que no batente da cozinha, de xícara de café na mão, sob os cuidados de Jucileide
Ali não me falta nada, e o cenário é o ideal, até o chiado da panela de pressão me remete à paz e tranquilidade dos tempos em que eu podia sentar em paz num batente e sonhar, porque tudo que eu tinha era um batente e uma enorme interrogação se impondo sobre tudo que eu julgava ser a vida.
Na cozinha da Cirleide eu me sinto em casa, e não falo só dos mimos que ela me faz, do cuidado maternal que eu nunca soube ter direito e que ela tem comigo, falo também do ambiente mágico que ali se cria e do colo que ela, dura e forte que é, me dá com as palavras.
Rubem Alves, disse que é isso que amamos nos outros: o lugar vazio que eles abrem para que ali cresçam as nossas fantasias. E é isso que se prolifera na cozinha da escola, o enorme espaço que se desenha na cozinheira, no seus olhos atentos e nos seus cuidados mansos, cabem um sem fim de sonhos e fantasia que a gente secretamente acalenta.
Ontem, enquanto tomava café, mirando o horizonte que se descortina nas curvas da estrada, entre os galhos retorcidos, que se perdem de vista na secura do verão, o passado me visitou. Eu estava aturdido em pensamentos, entre uma explicação e outra a quem estava comigo, a cabeça cheia de pensamentos e a boca de farelos de pão, pensando onde iria o caminhão que dobrava a curva da longa e empoeirada pista que se via ao longe, depois das casinhas brancas e todas iguais do residencial.
A voz da Cirleide, me despertou:
– Vailha, a mulher do cheiro-verde!
Me voltei num instante, de supetão e estava ali na minha frente Tereza do Tião. E era a mesma como se não fizesse vinte anos que ela, mulher feita, mãe de filhos muito mais velhos que eu, e eu, menino disputávamos nas ruas da cidade os clientes para nossos molhos de cheiro-verde e alface.
Minha Tia Aldenora, plantava a verdura que Tereza saia todas as manhãs, rua acima, rua abaixo a vender, em uma enorme bacia de alumínio, sobre a cabeça forrada com uma rodilha. Não dando conta da demanda, e havendo cada vez mais verdura nos vastos canteiros que minha tia cultivava no imenso quintal da casinha no beco do açude, eu, fui escolhido, entre os sobrinhos para aumentar as vendas.
De repente me vi, pelas ruas da cidade de bacia na cabeça, vendendo as verduras que se cultivava no quintal de casa. Eu, todo, orgulhoso, não vendia qualquer verdura, vendia a melhor, se me perguntavam de quem era aquele cheiro verde, eu me empertigava todo pra dizer:
– Da Aldenora!
Minha tia me ensinou sobre o trabalho e sobre o comércio. A Tereza me ensinou sobre competitividade e concorrência. Sofri pra ganhar espaço no mercado. Ela veterana, sabia as manhas, tinha a credibilidade, ia nos dias e horários certos a cada cliente.
Eu, menino franzino, não mas que dez anos, me equilibrando sobre as canelas finas, percorri outras ruas, descobri outros clientes e convivi com Tereza, a maior verdureira que Pedra Branca já teve.
Depois a vida me deu outros rumos. E confesso mesmo morando aqui, fazia tempo não via a mulher de semblante inconfundível, de lenço na cabeça, sempre a oferecer seus produtos.
Ao vê-la, senti uma saudade terna, e uma alegria que não soube explicar. Tereza velha de guerra continua na luta. Tive a certeza que um pedaço daquele tempo bom ainda vive. E quem sabe eu, um dia desses, descendo por acaso a José da Silva, não me veja de novo envolvido na magia daquele tempo, que eu mesmo não sei dizer onde se perdeu.
Me apressei em comprar o cheiro-verde da Tereza, ela nem me notou e foi embora, quatro molhos a menos, voltaria mais cedo pra casa naquele dia. Só nós sabíamos como era bom vender tudo que se tinha levado e chegar logo em casa, antes que o sol esquentasse.
Não provei a comida daquele dia, mas tenho certeza, que o sabor seria ainda melhor, além do tempero zeloso da Cirleide, teria ainda um cheirinho bom de saudade.

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