Textos

Crônica de uma Guerra Anunciada

Entrou na sala intempestiva, crente que havia se atrasado e quem sabe houvesse. O lugar antes frio é impessoal se encheu com sua presença calorosa. Eu, pra quem tudo era novo, reconheci naquela presença repentina um sentimento velho conhecido: antipatia. Desgostei dela à primeira vista. Bastou que abrisse a boca e eu supus que era impossível conviver com ela.
Fiz o social, como havia feito com os que chegaram antes, pedi o número, acrescentei ao grupo do WhatsApp que estava criando para a turma e já estranhei o nome:
-Como se escreve?
Contive o riso, não que fosse feio, só era estranho em demasia.
Perguntei-lhe pelo seu nome no Facebook:
-Eu não tenho, não uso!
A antipatia  de antes só aumentou, ela falava com a soberba dos que se sentem superiores por não fazerem o que todo mundo faz.
O primeiro encontro inteiro foi isso, ela transpirava antipatia. Suas colocações, seu jeito incisivo e imperativo de colocar seus pontos de vista, tudo me era novo e incerto naquele dia, exceto a certeza de que ela seria um problema nos dias que viriam. Me conheço, eu não suportaria muito tempo sem que meu jeito intempestivo se esbarrasse no dela. Pairava sobre nossas cabeças a certeza de um embate. Em cada fala, cada gesto, opinião eu lia a crônica de uma guerra anunciada.
No segundo encontro uma semana depois, eu vi que estava errado. É, às vezes a mais absoluta certeza não é suficiente. Eu errei quando acreditei que nos embateríamos, que discordaríamos e terminaríamos nos enfrentando em debates acalorados, quiçá imbicando para o lado pessoal. Errei feio. Essa situação jamais chegaria a acontecer porque ela era bem mais ousada do que eu imaginava: sua presença era arredia, indomável. Ela definitivamente não cabia no meu mundo. Não nos enfrentaríamos, porque eu não teria a menor chance de vencê-la.
Foi dessa forma conflituosa que Wanilly chegou a minha vida, numa quinta-feira de abril, faz pouco mais de um ano. Naquela sala de mestrado, onde tudo era novo, menos o medo de errar, aquela mulher com cara de menina e jeito de quem sabe de tudo porque experimentou o mundo e lutou suas próprias batalhas se fez presente.
Estranho como as coisas realmente importante acontecem, elas chegam de repente e não mais que de repente se implantam. A mulher quase pedante que entrou na minha sala naquela tarde, ocupou um lugar que era seu havia tempo, um vazio que não seria preenchido até que ela chegasse, porque era exatamente do seu tamanho.
Foi preciso tempo pra compreender que era daquele jeito ousado dela que eu precisava pra olhar o mundo e me encontrar direito. Pelos olhos de Wanilly, minha amiga, conquistada a duras penas, eu me fiz um pedaço de quem sou.
Dizem, eu aprendi, que existem anjos à solta por aí, e eu que tão pouca fé acalento, descobri que a vida age no tempo certo pra nos enviar o nosso. O meu tem personalidade própria, acredita em milagres porque os viu acontecer, e a despeito do seu pouco tamanho físico carrega um coração do tamanho do mundo.
A mulher quase pedante que eu conheci, descobri depois, tem o nariz pra cima, porque não pode deixar o mundo desabar, já que carrega uma banda dele sobre os ombros e o faz sem reclamar. Ela esconde sua dor no bolso e sai por aí procurando as dores alheias pra acalentar.
Acredita que já viveu todos os amores que podia, mas sua vida está só começando.
Hoje, me peguei olhando à noite escura e me lembrando de seus olhos negros, seus cachos escuros e me bateu uma saudade de ter colo pra deitar e dizer : deixa eu me abandonar em você ?
Não sei vocês, mas eu acredito em anjos, o meu tem um nome estranho, cara de zangada, um sorriso do tamanho do mundo e um coração que não cabe em si. Eu não entendi quando ele chegou, nem percebi, era grande demais pra caber no meu mundo. Hoje eu me fiz maior pra acolher seu amor.

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