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Despedida

Em 1927 o Rio Grande do Norte foi o primeiro Estado do Brasil a conceder às mulheres o direito ao voto, em 1927 uma professora potiguar foi a primeira mulher eleitora do Brasil e também em 1927 nasceu o célebre escritor Ariano Suassuna no palácio do governo do Estado da Paraíba onde seu pai era governador.
Muita coisa aconteceu em 1927, muitas outras pessoas nasceram e morreram mundo a fora, mas um em especial mudaria a minha vida, em algum lugar do Sertão do Ceará, nascia uma menina negra, filha de um negro ex-cativo e de uma descendente de índios praticamente capturada na mata. Eu não sei ao certo que lugar era esse, e nunca saberei quem eram aquele homem e aquela mulher que numa manhã de maio de 1927 conheceram o rostinho de mais uma filha a quem deram o nome de Antônia, afinal nascera laçada e para não morrer queimada ou afogada era preciso consagra-lá ao santo desse nome.
A menina Antônia, cresceria, aprenderia os afazeres doméstico, receberia nenhuma instrução escolar, aprenderia a buscar água no açude em potes de barro, pilar milho e arroz no pilão de madeira, a costurar mal e mal algum retalho, a cozinha o Feijão, torrar o toucinho de porco, fazer a comida para os trabalhadores e quando necessário ir à roça semear o milho e o feijão ou limpar o mato que ameaçasse a plantação.
De fato foi isso que aconteceu. Não sei se minha avó conheceu o amor antes ou depois de se casar, o fato é que amou o meu avô e com ele se uniu por uma vida toda, da união nasceram treze filhos, e do seu coração brotaram mais dois. 15 homens e mulheres ao todo a quem eles, se dedicaram a ensinar tudo o que lhe foi ensinado a seu tempo: carpir o mato, cultivar as sementes, buscar a água no rio, sobreviver às secas e as intempérie, amarem-se mutuamente.
Eu pouco conheci desse ambiente, conheci meus avós já envelhecidos, com a vida um pouco diferente, pouco convivi com meu avô, que faleceu quando eu era ainda muito pequeno, mas guardo dele boas lembranças, sobretudo o afeto, o jeito carinhoso.
Com minha avó convivi muito mais, com ela fui menino, de quem ouvia as histórias, adolescente que constrastava seu modo de ver o mundo, homem feito que aprendi a vê-la com admiração pela sabedoria acumulada.
Ontem minha avó morreu! E a vida me deu um dos presentes mais bonitos que poderia me dar: ela morreu segurando minha mão, olhando pra mim , enquanto eu me despedia.
Foi triste vê-la partir, porque eu sei que apesar dos 91 anos de vida ela não queria ir. Mas foi bonito poder dizer a ele que fosse em paz. Foi bonito ver que a vida acaba num instante, de repente se estar ali e num instante seguinte não está mais.
Eu sempre soube que se morria, aprendi sobre a morte ainda menino, mas ela era só um conceito, ontem eu vi a morte de perto, ela esteve lado a lado comigo. A morte é um divisor águas. Eu agradeço por ter tido tempo de dizer adeus.
Depois, bem depois eu fiquei olhando minha avó, pálida, fria, inerte e me deu uma tristeza absurda e me lembrei desses 90 anos de vida e do medo que eu tenho de não saber o que fazer com tantos anos. Minha avó não saiu em capas de jornais, não escreveu um livro, embora tenha plantado árvores e tido muitos filhos, ela não ganhou um Nobel nem descobriu a cura do câncer mas ensinou a quinze homens e mulheres a serem homens e mulheres e a se amarem mutuamente. Ela não entendia de ciências, história, pouco sabia de política e nada de economia mas teve uma vida boa e em paz, tanto que não queria partir, mesmo doente, já nos últimos dias olhou pra mim e disse:
– a vontade de ficar boa é grande!
Minha avó morreu e aprendi que a vida é boa pra cada um de um modo, que felicidade é questão de ponto de vista e sobretudo que uma longa vida ainda será pouco tempo pra se viver.

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