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Dias das Crianças

Não, não tenho fotos da minha infância. E isso não é um drama pessoal. Naquele tempo eles estavam mais ocupados em garantir que a gente tivesse alguma coisa pra comer. O resto era lucro.
Eram três crianças mais ou menos da mesma idade, vivendo numa casa de taipa, no meio dos Sertões dos Inhamuns.
Uma terra seca, escassa de recursos, e uns pais sem muitas alternativas que não revolver a secura da terra, ou “achar um jeito”.
E a gente não era infeliz, pelo contrário, se não havia um ideal de felicidade, como a gente ia saber que não era feliz, quer dizer, felicidade era está vivo, experimentando as pequenas conquistas diárias, as alegrias de um banho de açude com garrafas de coca-cola que nos ajudavam a boiar, e que dificilmente éramos nós que tínhamos bebidos, ou descer uma ladeira a bordo de uma bicicleta, sem todas as peças, pneus carecas e raramente com freio. O jogo com bola de meias, sacolas e outros artefatos dos mais ingênuos, que nos rendiam as mais variadas brincadeiras, como pular elástico, brincar de roda ou esconde-esconde.
Não é que a pobreza em que vivíamos fosse poética, mas era o que tínhamos, e dentre as poucas coisas que tínhamos, não havia espaço para fotografias. Talvez, não sei, até pra esconder a nossa miséria humana, tão descarada naquele tempo.
Não tenho fotos da infância como não tenho uma série de lembranças afetivas: a Xuxa vim saber quem era já grandinho, talvez por isso não tenha nunca me encantado pela sua alegria, que pra mim, sempre pareceu efusiva demais. Me lembro de já rapazinho ter conhecido o chocolate do Fofão e enquanto as pessoas se deliciavam, eu não vi muita graça. Me lembro com muita clareza de “Os Mamonas Assassinas”, mas a sua duração foi tão pouca, que quando eu imaginei que pudesse haver algo de realmente mágico, eles se chocaram contra a Serra da Cantareira, numa madrugada de março de 1996, e eu que não sabia chorar as perdas, talvez tenha começado a entender naquele dia que toda felicidade, além de clandestina, é passageira, às vezes passageira de um avião que se destroça contra paredes de pedras, numa madruga em que a gente dorme embalado pelas nossas frágeis certezas.
Não tenho foto para postar hoje em alusão ao Dia da Criança, não fotos da minha infância, que ficou guardada só comigo, e se há sempre dois lados da mesma moeda, me consola saber que não há lembranças, mas também não há saudades.
Max.

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