Textos

Eu devia te odiar!

Noite de quarta-feira, saio do trabalho, depois de um dia daqueles e cumpro a tarefa diária de dar carona aos colegas. Após deixá-los, a distância que tenho que percorrer até em casa não é muita, um, dois quilômetros se muito.
Hoje, especialmente, a noite está escura, a rua deserta e de repente eu sou tomado pela consciência do momento: o vazio do carro! Hesito entre decidir se aquilo é paz ou solidão. Parado no semáforo, só consigo pensar que eu gostaria que o momento durasse o máximo, como quem observa uma bolha de sabão, deslumbrado com sua beleza, mas ciente da certeza que ela se desfará em instantes.
O sinal abre, acelero e sigo na pista escura, não tenho destino. Então, automaticamente, no som do carro, a voz grave e inconfundível de Reginaldo Rossi:
“Eu devia te odiaaaaar, no entanto só sei te amar…. Eu devia te esquecer e até outro amor procurar… Eu devia tanta coisa fazer …. É que teu amor mais uma vez me venceu….
Deixo a música tocando e dirijo, sem rumo, sem destino. Desvio de um cachorro que fugindo do frio se deitou no meio do asfalto em busca do calor, desprezando o perigo de ser atropelado e morto. No som a música continua:
“… Dessa vez eu sei que vou te odiar, mas eu volto a te amaaaaaaarrrrrr….”
É involuntário! Começo a cantar junto e me surpreendo percebendo que sei a letra toda. A essa altura já canto a plenos pulmões, despreocupados com os vidros abertos e com o fato de um ou outro passante me veja cantando desanimadamente.
Lembro de Wanilly e de como ela gostaria de estar comigo dirigindo pelas ruas de Cajazeiras e cantando feito loucos, essa e outras tantas musicas.
Uma lembranças me assalta à mente, é impossível não voltar a minha vida de menino pelas calçadas do Beco do Açude. Como não lembrar das manhãs de domingo com meu pai ouvindo seus LP’s em detrimento do gosto da gente de casa e da vizinhança?
Viajo. Afundo o pé no acelerador e sou todo saudades. Uma saudade tão piegas quanto os versos e a voz rouca do cantor. Não importa mais onde eu vou, nem quero chegar, porque sei que não chegarei a lugar nenhum que eu queria, porque como dizem os versos de outra velha canção: “ …onde a máquina me leva não há nada, horizontes e fronteiras são iguais”.
Nos versos e na melodia, na voz e no sentimento daquela musica, viajei mais longe que o carro poderia me levar. Mergulhei nos becos do passado. Aí que saudade que dá! Reginaldo você está certo : eu devia te odiar.

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