Textos

Faz de Conta

Quando eu era pequeno, eu não sabia das coisas, hoje, homem feito, ainda não sei, no entanto, pequeno, eu não cometia o crasso engano de acreditar que sabia, como faço agora, por costume, descuido ou quem sabe por uma pontinha de orgulho de quem teima em reconhecer que apesar dos anos, e da caminhada, nada aprendeu, porque a vida não tem Manual de instruções. Cada vida é uma, única, e ou se vive, enganando-se que se sabe maneja-la, ou se sucumbe.
Do meu tempo de menino e das poucas coisa que tenho certeza que aprendi, trago comigo uma lembrança doce, a brincadeira do faz de conta. Fazer de conta não era ruim, a gente fazia de conta que era rei, ladrão, polícia, capitão e no nosso mundo de faz de conta tudo era permitido.
Eu me lembro, que sendo um menino estranho, porque fui uma desses meninos que não combinam com a idade que tem, mas que vagueiam no meio dos outros, metade sem entender, metade procurando resposta, enquanto os outros, entre si, disputam a bola, o pirulito, ou a vez de jogar.
Sendo esse menino, eu precisei muito cedo aprender a fazer de conta pra viver melhor, ou pra sobreviver.
No meu mundo de faz de conta não havia problemas não gostar de jogar bola, ou de pescar , brincar de casinha também era brinquedo de menino, e todo mundo era igual.
No meu mundo era mais fácil ser feliz, talvez por isso tenha tido desde sempre este gosto pelo mágico, o fantástico, o poético e o fortuito.
Sendo um menino estranho eu nunca, ou quase nunca joguei bola com os meus irmãos, mas houve uma vez, uma das poucas vezes em que vi ele sorrir, que meu pai quis brincar com eles, e eu também deveria jogar, eu fiz de conta que gostava e joguei. Era péssimo jogar bola, mas no meu mundo ser amado por meu pai era maravilhoso, e no mundo de faz de conta eu tinha um pai que me amava e jogava bola comigo e sorria.
Eu via os meninos disputando a vara de pesca, os remos da canoa, a vez de descer de bicicleta a ladeira a toda velocidade, mas eu preferia ler as páginas maravilhosas de A guardadora de Gansos, meu primeiro e durante muito tempo, único livro. Eu era feliz como os outros meninos e sorria igual a eles, e brigava igual a eles e era forte e valente, ainda que de faz de conta.
De tanto fazer de conta, me acostumei a não ser eu, e quando a vida me chamou à realidade, e ela, inexoravelmente, chama, eu não sabia viver de verdade, já não sabia ser eu, porque de tanto fazer de conta, eu esqueci de aprender quem eu era.
Aos poucos, às vezes em golpes profundos e dolorosos, a vida me negou o mundo de faz de conta, me esfregando na cara, sem pudor, a crueza de ser de verdade, então, não como em pase de mágica, que eu, duras penas, aprendi não existir, descobri que a vida acontece do lado de fora dos nossos sonhos, porque na realidade, bem mais que vontade, estava certo o poeta, o que a vida requer da gente é coragem.
Hoje, crente que pouco ou nada sei, apenas que não se vive no mundo que a gente quer, mas naquele que nos oferecem, apesar dos pesares. Há vezes que busco refúgio no faz de conta, e fazendo de conta vamos enrolando a realidade, faz de conta que da tempo, faz de conta que é amor, faz de conta que não dói, faz de conta que ainda somos os mesmos.
Hoje me dei conta que pra aprender a viver de verdade, abri mão de fingir ser quem não era, mas que o peso da realidade, faz, vez ou outra a gente retornar ao berço e fazer de conta, pra sobreviver.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *