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La Casa de Papel

La Casa de Papel não é a série do momento, é a série. Um enredo magistralmente elaborado que além de entreter e divertir, faz com que a gente questione nossos próprios valores.
Eu tão pouco afeito a entretenimentos desta natureza, haja vista ser esta a segunda série que eu me dispus a assistir em toda a vida, na época em que as séries famosas são os assuntos das redes sociais, das rodas de conversas nos espaços públicos e até nas mesas de bares e lanchonete, a primeira foi Greys Anathomy.
Comecei a assistir a primeira para ter assunto com um grupo de amigos que só falavam sobre ela, nunca mais deixei de vê-la, chorar, sofrer, me emocionar com cada caso. Existe um vazio impreenchível em minhas madrugadas de insônia, e quiçá em meu coração, que me impelem vez ou outra a lembrar as histórias e situações em que Meredith Grey e todos que a cercam acabam se envolvendo. Da primeira série, me sobraram lições, aprendizados, reflexões sobre viver, morrer, amar, errar, enfim: ser e aceitar a triste condição de humano.
La Casa de Papel, chegou pra mim como modinha de adolescente. Não poderia levar a sério uma série em que bandidos aparecem com uma máscara de Dali. Me parecia mais um produto comercial, apenas isso. Desprezei-a, não li sobre, não quis saber e quando o assunto era a bendita atração da Netflix, contassem com todos, menos comigo.
Eis que coisa de quinze dias atrás, eu fui trocado um feriado inteiro pela série em questão. Alguém a quem prezo bastante começou a assistir e simplesmente não conseguia mais parar, chegando ao cúmulo de pesquisar a segunda temporada da série e assisti-la toda em espanhol, em um feriado.
A minha ojeriza só aumentou, não obstante a falta de interesse, agora a série me despertava também ciúmes.
Foi Wanilly, que sempre sabia, me disse que em vez de ficar enciumado, eu deveria aproveitar o tempo livre e dar uma chance a série. Segui seu conselho e me arrependi amargamente.
Já no primeiro episódio a série me fisgou, me vi envolvido pelo enredo ousado, pelas características de cada personagem, pela emoção vibrante de cada capítulo. O plano perfeito, milimetricamente traçados anos a fio, a inteligência e capacidade analítica do Professor, a coragem insolente de Tóquio, os arroubos de juventude do Rio, o amor entre ambos. Em seguida fui fisgado pela loucura de Berlim e pude refletir sobre os começos e fins, sobre a vida e a morte e tudo aquilo que fazemos entre uma e outra.
Não pude deixar de sofrer com a angústia de Denver descobrindo reticente o afeto que a vida lhe negou, justamente quando menos esperava.
Com Helsinque e Oslo aprendi sobre coragem e resignação, com Moscou sobre as renúncias que o amor ao outro exigem. Nairóbi me fez pensar sobre os sonhos, sobre tê-los e sobre perdê-los, antes de realizar.
Os personagens que remetem às aulas de geografia da quarta série, seus medos, anseios e sua história, me prenderam mais que o próprio roubo em si. Eu aprendi que há pessoas que acreditam não ter nada a perder, até perceberem o quanto perdem por não se darem conta disso.
La Casa de Papel nem de longe é apenas a história de um assalto ousado a Casa da Moeda da Espanha, é isso também, mas é antes um retrato na nossa própria condição de seres perdidos, sem rumo, que precisamos a todo custo dar sentido a trajetória que não escolhemos ter.
Lançaram anteontem a segunda e última temporada, eu terminei de assisti-la agora. 48 horas após o seu lançamento.
Estou meio sem rumo, porque agora tem mais um vazio existindo em mim, e eu não aprendi ainda a viver com ele.

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