Textos

Marimbeiro

– Professor você é muito é marimbeiro.
A frase reverberou na sala. Cortei meu raciocínio ao som da nova palavra, que naquele momento pouco me dizia.
Todos riram! E eu com cara de tacho, sorri amarelo! Seria uma ofensa ? Ao certo, caso contrário não ririam tanto e largamente, continuei sorrindo amarelo, morto de medo de perguntar o significado da palavra desconhecida. O cérebro a mil, vasculhando em cada canto da memória onde eu já havia ouvido aquela palavra. Rasguei o medo:
– E o que é marimbeiro, hein?
Sonoras risadas! Eu ainda mais sem jeito, ri junto, desconcertado. Perdera a pose. Ora, como não, de repente, não mais que de repente como num soneto de Vinicius eu me descobri marimbeiro. Pior que ser algo é nem desconfiar o que esse algo significa.
– Você vai ter que descobrir, professor! Ninguém conta viu, gente!
E lá fui eu continuar a aula, agora com o peso do título, marimbeiro!
A aula era sociolinguística, se não me falha a memória e eles acharam de desencavar este termo tão deles pra me aporrinhar. Foram dias, me chantageado com o significado secreto da palavra, que não obstante a minha pesquisa, não consegui descobrir que significado lhe atribuíam. Eles não sabem mas secretamente enquanto realizavam uma atividade busquei rapidamente na internet o significado. Tudo que encontrei foi : Marimba: instrumento musical,composto de lâminas de vidro ou metal,graduadas em escalas,e das quais se tira o som por meio de baquetas.
Não, não era isso! Nem fazia sentido. Mas continuei as aulas. A aula era uma cena que não podia parar em hipótese alguma. E lá fui eu, todo senhor de mim, naquele tempo eu supunha saber das coisas, hoje mal desconfio. Falei-lhes a tarde inteira sobre a língua e seu uso social. E aqueles homens e mulheres, sim, se não lhes disse, não eram meninos ou adolescentes os meus alunos deste dia, eram homens e mulheres que eu nunca havia visto antes, e aquelas pessoas a princípio frias e distantes foram se aproximando, deixando de ser, tornando-se outras pessoas, diferente das que imaginei que fossem, elas eram gente assim, normal, revestidas de tanta humanidade, que não dava para lhes ensinar de um pedestal.
E eu tão pouco afeito as distâncias, cheguei mais perto, assisti-os, percebi-os, troquei com eles as impressões sobre o mundo, e que belas visões de mundo eles tinham. Me ganharam!
Soube depois, tempos depois, na fala de um deles, que “ninguém gostou de você nas duas primeiras horas de aula, professor, só depois”. Na cabeça deles eu os ganhei, talvez não saibam que me ganharam muito antes. Cada história que eu ouvia, cada experiência contada, tudo me descortinava um mundo. Eles, homens e mulheres ávidos por teoria, eu menino ainda, acreditava saber de algo, eles me descortinaram uma vertente do mundo. Eu lhes ensinei sobre o que já sabiam: usar a língua.
Trocando experiências, falamos sobre tudo, sobre nós e sobre o mundo. Mesmo assim, só muito depois descobri o que era marimbeiro, mas já não me importava, eu seria o que eles dissessem que eu era, eles haviam me tocado e eles sabiam mais sobre o mundo do que o mundo havia me ensinando. Se o diziam que eu era, de fato devia ser.
– Marimba, aqui, professor é besteira. Marimbeiro é quem fala besteira, mas só aqui é que se usa essa palavra.
Diante do meu choque inicial emendaram:
– Mas não se ofenda! Aqui todo mundo é marimbeiro!
Sorri! Eu era um igual.
Hoje, nas minhas muitas andanças, tive a sorte e a alegria de encontrar duas delas. Entre os abraços e sorrisos a lembrança do que foi. Que prazer é revistar o passado. Elas são outras, mais vividas, mais experientes, donas de saberes que outrora não possuíam. Elas não sabem, eu também não sou mais o menino daquele tempo, muita coisa mudou, aprendi outras tantas, esqueci uma porção delas, mas continuo aqui! Sigo a vida marimbando.

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