Textos

Namorar no campo

Hoje não, hoje os amores são mais escancarados, e mesmo os que não se dizem namorados já saem por aí mostrando-se, sentando à mesa de bares e lanchonetes, expondo o seu amor sem pudor. Nada contra, inclusive faço, acontece que há algo do passado que me dá uma saudade, que era bonito, cheirava a aventura: namorar escondido.
Quem nunca, pelos menos uma vezinha namorou escondido que atire a primeira pedra. Eu me lembro que ainda criança os casais de namoro firmado e assumido namoravam na calçada, ou na praça. Ás vistas de todo mundo, afinal era namoro sério, cheirava a noivado e quiçá a casamento, algumas mães mais ansiosas já se antecipavam preparando enxoval.
Eu lembro-me da rua em que morava, sentávamos todos na calçada, nós de casa, outros vizinhos e ficávamos horas a olhar a rua com pouco movimento, a saber quem ia e quem vinha, quem passava na garupa da moto de quem.
Televisão existia sim, claro, e todos tinham mas era preferível acompanhar a vida alheia. Quando muito interessava-se pela novela das nove, quando enfim os pobres casais de namorados podiam se amar em paz.
Tínhamos uma vizinha, cujos pais eram ricos, e ela, claro arranjou um namorado rico como ela. A rua se assanhou, todos queriam assistir o namoro do casal de ricos. Seria na calçada ? Seria na pracinha da câmara ? Não, ele certamente a levaria todas as noites a alguma lanchonete, das poucos que havia na época.
A rua se horrorizou quando o casal começou a namorar em frente à casa, mas dentro do carro do namorado. Que horror! E esses pais que não veem isso. O motor do carro ligado, as luzes apagada, os vidros fechados e o ar-condicionado acionado. Acreditem até isso se percebia, porque nada passava despercebido aos olhos da vizinhança. Foi escândalo que rendeu, viraram a cara pra vizinha, quem ela achava que era Pra namorar escondido de todos?
Mas perdido mesmo estava era quem fosse pego saindo do campo. Sim! Não havia motéis, nem aqui, nem por perto, durante longos e longos anos o motel municipal foi o campo da delegacia. Ele ainda hoje existe, contudo não é mais usado para tais fins. Muitas casas ao redor, iluminaram tudo, acabou-se a diversão.
O campo era como o próprio nome sugere, um largo espaço onde se jogava e ainda se joga futebol, só que á época ele era bem mais artesanal, tanto que os pobres jogadores não podiam entrar jogando noite a fora, já que não possuía iluminação. De um lado era margeado pelo muro da cadeia pública, do outro pelos quintais das casas da Boa Esperança e tinha a sua frente as águas já fétidas e poluídas do Açude do Povo. Sobrava um lado, por onde, durante o dia entravam jogadores, torcedores e curiosos. A noite entravam os amantes sem lugar para o amor.
Quanto amor foi feito ali às margens do açude do povo e sob a observação silenciosa da noite escura? É tinha esse detalhes, os namorados não podiam se dar o luxo de se amarem à luz do luar, em noites de lua cheia havia a claridade que os denunciava, expondo não o homem, porque esse estava em seu direito, afinal era homem, mas pobre da mulher que fosse flagrada em um ato de amor no campo da delegacia, estava perdida, seria assunto em praças, calçadas, esquinas e bodegas.
Mas devemos muito ao campo da delegacia e a outros recantos escuros da cidade. Quanto amor se fez às vistas da sociedade sem que essa desconfiasse quando a praça Leonardo Mota era ainda a praça das bancas e ficava às escuras à noite e servia de alento aos bêbados que se deixavam ficar ali e a um ou outro casal mais afoito que arriscava se amar embaixo da copa das árvores, na escuridão da praça.
Eu conheci o amor bem comportado, sentado nos bancos da praça da câmara em tardes de domingo e em noites de sábado à noite, íamos ali acompanhar os amigos que namoravam e mais tarde sem saber éramos nós que queríamos ocupar um banco, segurar a mãos, beijar delicadamente. Nos conformamos com os olhares, era o amor acontecendo às escondidas, como os amores dos que se amavam no campo, nas praças escuras, dentro dos carros, buscando fugir da língua do povo. Comigo era pior tentava me esconder até de mim.
O amor, claro continuo acontecendo aos outros, nas calçadas, no campo, na escuridão das praças das bandas e eu ainda quase menino sabia de tudo e acompanhava tudo, pela conversa na calçada de casa, enquanto se falava de tudo.
Morria de medo que um dia o assunto fosse eu é que de repente descobrissem que eu também sonhava em namorar na praça escura, no campo e que uma vez, só uma vez, tinha dado um beijo frio e rápido, com o coração acelerado morrendo de medo de ser flagrado, enquanto descia o Beco da Zenaide. Ah o Beco da Zenaide! Ainda lhe olho com carinho todas as vezes que passo por lá, porque foi lá que conheci o amor, em uma noite de chuva, escura como o breu, em um beijo frio, apressado, tremendo mais de medo que de frio. À época foi a epifania, a própria revelação que tomou conta de mim, seguida do medo, não era certo, falariam de mim também nas calçadas ?

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