Textos

O salário da Dor

Hoje eu aprendi sobre a dor. E sobre como lidar com ela. Era uma aula comum, assim como são mil aulas, de mil assuntos distintos, que já assisti mil vezes. Eu deveria aprender sobre como ser um professor melhor, mas aprendi mais sobre a vida e sobre viver do que  muitos anos vivendo poderiam me ensinar.

Cheguei à sala. Nos ombros o peso do cansaço, depois de ter dirigido centenas de quilômetros, e de um sem fim de responsabilidades que pendurei em um cabide e deixe-as pra trás enquanto voltava. Não sei qual me pesava mais, contudo eu era todo peso quando atravessei a porta e me sentei no lugar de sempre, após cumprimentar calorosamente os colegas que há dias não via.

Ela já estava lá. Já a conhecia. Mentira! Eu julgava conhece-la, mas ela estava ali. Assim como são cem mil outras professoras ela estava ali, de semblante fechado, quem sabe de cenho franzido, não sei, eram tantas outras coisas com as quais me preocupar, afora o cansaço que me consumia no calor escaldante de duas da tarde que só quem conhece Cajazeiras sabe o quanto é quente, que tudo me importava,  menos analisa-la. Eu já julgava saber sobre ela e esperava que fosse exatamente quem eu supunha.

Na aparência não podia haver mais comum, estatura mediana, corpo franzino, que custo a crer que aquele corpo possa mesmo carregar uma personalidade tão forte.  E ela começou a aula, enquanto eu me dividia entre a tela do celular que pipocava de mensagens carregadas de demandas à espera de respostas e os bocejos fruto do cansaço e da monotonia do momento.

Não sei quanto tempo se passou, até porque o tempo, relativo que é, parecia não passar, ou não querer passar, e o calor, a despeito do ar-condicionado, só aumentava, assim como meu sono. De repente, não mais que de repente, fui retirado à força do meu marasmo:

– Eu tenho direito de sofrer minhas dores…

Era ela. Como assim? Ela entendia de dor? Sim, ao que parece sim. E ela continuou, a despeito do seu conteúdo tão sisudo quanto ela, desfiou um rosário de palavras, leves,  repletas de sabedoria, mas cortantes, quase epifânicas… É preciso sofrer pra crescer… Crescer dói… Só se cresce com sofrimento. E pela primeira vez em toda minha vida eu assisti, com espanto, alguém sair em defesa da dor.

E hoje eu aprendi muito sobre ser professor, sobre ensinar língua, sobre mediar conhecimento, mas aprendi mais sobre conviver com a dor, conviver com o sofrimento, porque crescemos achando que a dor é sempre ruim e que devemos evita-la, mas não se cresce sem doer. Dôra, personagem de Rachel de Queiroz em Dôra Doralina, disse e eu jamais me esqueci que “ …Doer dói sempre, só não dói depois de morto, porque a vida é um eterno doer.” E quem não convive com as dores cotidiana? Todos nós temos dores, seja uma saudade esquecida no fundo do armário, que a gente finge não ter só pra não sofrer, mas que revisita em noites de solidão, seja uma mágoa não perdoada que nos atormenta e que não aprendemos a viver com ela, seja aquele aperto sem razão, que só alguns saberão existir, mas que existe e que dói invisível, assim como arde o fogo dos apaixonados.

A dor é uma constante e diante de tal fato só podemos ou viver com ela e sermos um dolorido a mais, ou aprender as muitas lições que as dores nos ensinam. Bater o dedinho do pé na quina da mesa nos ensina a ser mais atenciosos. A dor da decepção nos ensina a não confiar demais e cegamente, a dor da saudade nos ensina o desapego. Toda dor, nos traz, proporcionalmente uma lição e um crescimento, então o certo é não fugir da dor, mas se entregar a ela. Não com estoicismo, mas com resiliência, certo de que o salário da dor é sabedoria. Só aprende quem passa por provas dolorosas. E a vida, tenho aprendido sempre, é uma escola, ainda que injusta, mas uma escola onde a nossa função é aprender sempre.

Nazareth, o nome dela, não sei quantas dores ela teve, nem quantas ainda lhe doem, mas hoje, maior que qualquer lição, ela me ensinou sobre sobreviver a dor, e aprender com ela. Se for preciso, a gente chora, mas continua, porque é preciso seguir sempre, nenhuma dor é obstáculo, todas elas são aprendizado

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