Textos

Se eu tivesse filhos…!

Foi Vinicius de Morais que certa feita eternizou a, até popular, frase: “filhos, filhos, melhor não tê-los”. Na primeira estrofe de um poema chamado Poema Enjoadinho. O verso seguinte continua: “Mas se não os temos, como sabê-los ?”. Concordo, poeta.
Não terei filhos e a exemplo do Brás Cubas de Machado de Assis não transmitirei a ninguém o legado de nossa miséria, ora! Não há nada de biológico, ao menos que eu saiba, que me impeça de trazer ao mundo outros serezinhos, eu simplesmente decidi não assumir a responsabilidade por outra vida além da minha, que, cá pra nós, coitada, anda carecida de cuidados que eu não tenho podido oferecer.
Estremeço só de pensar em outra criatura que dependa de mim, que precise de mim, a quem eu deva devotar amor e cuidados. Eu não saberia.
Mas se por acaso, só por acaso fosse me dada a oportunidade de ter, amar e educar um filho, há coisas que eu gostaria de lhe ensinar, embora não fosse pequeno o medo de ser incompreendido ou, de como tenho visto muito, a boa semente, cair em terra árida.
Eu, caso tivesse filhos, lhes ensinaria primeiro sobre como é bom ser livre, e que a liberdade é uma busca constante do ser humano, mas que é preciso cuidado, porque muitas vezes na busca pela inalcançável liberdade, há quem se perca e se acorrente ainda mais.
Lhes diria que o amor é importante, e que poucas coisas na vida valem tanto quanto a sensação segura de se saber amado. Lhe ensinaria a cultivar o amor.
Eu lhes diria sobre respeito, sobre ousadia, sobre aprender o quanto antes a conviver com o outro, tentaria lhes ensinar aquilo que não me foi dito, nem ensinado, mas que aprendi a duras penas, da melhor formas: vivendo, sobre tolerância, sobre aceitação, sobre não projetar no outro o meu ideal porque eu sou apenas um e o outro é ele, estando portanto cada um condenado a eterna solidão de serem únicos.
Lhes diria que nem sempre as pessoas são como gostaríamos, e se elas fossem nós nos cansaríamos dela, porque às vezes é justamente o destoante do outro que cala fundo em mim.
Se eu tivesse filhos, gostaria de lhes ensinar sobre como é importante ter bons olhos pra olhar em volta e buscar referências, não qualquer uma, eu lhes ensinaria o valor da admiração e o quanto é precioso seguir os passos de quem admiramos.
Se eu tivesse filhos, eu lhes diria sobre como é bom saber e como o conhecimento é caminho para a liberdade.
Se eu tivesse um filho, eu gostaria de lhe apontar o mundo caótico e lhe dizer, que é dele a responsabilidade de fazê-lo menos ruim.
Mas eu não terei filhos, porque é grande demais, é ousado demais, eu, às vezes, tão destemido, congelo, ao pensar que alguém poderia depender do meu amor, do meu cuidado, mas sobretudo dos meus ensinamentos, porque eu não saberia ensinar ninguém a viver nesse mundo, talvez eu lhe soltasse no mundo, lhe apontasse alguns caminhos e torcesse pra que ele se encontrasse, mas seria injusto demais, pedir a alguém que viva aqui hoje e que ainda por cima tente fazer daqui um lugar melhor.
Eu não terei filhos! Por enquanto eu tenho medos.

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